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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A Centralização dos Direitos Televisivos


É provavelmente um dos assuntos mais complicados de abordar no panorama nacional futebolístico. De facto, uma larga maioria de experts diz que Portugal é um exemplo do que não se deve fazer no que a direitos televisivos diz respeito. Desde o início da década que é uma assunto que está na agenda mas que por este ou aquele motivo não tem solução à vista. Vamos recordar então.

De 2012 a 2015 com as Presidências de Mário Figueiredo e Luís Duque a centralização dos direitos televisivos era uma prioridade. Com o Benfica como um dos impulsionadores da questão foram tidas inúmeras reuniões de trabalho sobre o assunto. Era considerada uma das prioridades das duas presidências.  No entanto, com a entrada de Pedro Proença na Liga tudo mudou e rapidamente o Benfica abandonou o barco e os três grandes assinaram acordos com as diferenças operadoras individualmente e por 10 anos. Isso na prática rasgou qualquer possibilidade de uma centralização dos direitos televisivos nos próximos 10 anos e os mais diversos emblemas fizeram o mesmo em seguida. Vamos olhar então aos números que conhecemos:

Portugal

Não há valores concretos sobre os diversos negócios, no entanto é possível fazer algumas estimativas. Ora no caso de Benfica (30M€), Porto (29M€) e Sporting (27M€)  ocupam o topo da tabela e grosso equivalem a 60% das receitas televisivas em Portugal. Braga e Guimarães têm valores avaliados em perto dos 10M€ e as restantes equipas não tem valores oficiais mas será expectável que nenhuma delas receba valores superiores a 5M€ ou inferiores a 2M€. Na prática, o total deverá andar entre os 135M€ e os 150M€. Olhando ao rácio entre primeiro e último poderá muito bem ser superior a 10:1 (!!!!).

A pergunta que se calhar os menos informados fazem é, então e os outros campeonatos como estão? Na verdade, grande parte dos campeonatos europeus funcionam no regime de direitos televisivos centralizados. Do top-10 do Ranking da UEFA Portugal é o único país que não tem a centralização de direitos televisivos em vigor. O que é que isto significa? Significa que a Liga vende os direitos como um todo e distribui os valores de acordo com um modelo previamente definido. Ora no topo dessas negociações está a Premier League que conseguiu um acordo absolutamente estratosférico na ordem dos 2,5 mil milhões de euros por época. Podemos olhar então para os mais diversos valores dos diferentes país.


De notar que estes valores não serão todos indicativos das mesmas épocas e portanto poderão ir sofrendo ajustes ao longo do tempo. Mas são valores que mostram claramente a disparidade que existe entre os primeiros 5 da lista e os restantes. Por aqui podemos já também extrapolar que em termos de valores globais, Portugal tem valores MUITO BONS. Ou seja, de um modo global e somando todos os acordos individuais portugueses chegamos a um valor a rondar os 150M€ que é praticamente o dobro que os campeonatos holandês e belga. Se tivermos de ser completamente objectivos veremos que é com esses campeonatos que nos temos de comparar. Abaixo do top-5 europeu só a Turquia aparece com valores muito superiores aos nossos e isso poderá facilmente ser explicado pelo facto de ter 7 vezes a população portuguesa. Olhando o caso da Holanda, com uma população superior à de Portugal podemos verificar que é um valor muito inferior ao de Portugal, tendo Benfica, Porto e Sporting mais receita que todo o campeonato holandês.

Então se os clubes portugueses conseguem melhores contratos individualmente que campeonatos da mesma dimensão conseguem centralizados porque razão haveríamos de mudar? Por causa disto.


















A diferença entre o clube que recebe mais e os clubes do meio é enorme. Não tenho certeza nos valores apresentados neste gráfico, acima de tudo porque é tremendamente complicado encontrar valores para os clubes mais pequenos, no entanto uma coisa é certa, Portugal é o país com a maior disparidade entre primeiro e último no que a receitas televisivos diz respeito do top-10 do Ranking UEFA e isto cria um abismo entre os clubes grandes e os pequenos que se traduz numa cada vez menor competitividade do campeonato Portugal. Não é à toa que cada vez mais o campeão português necessita de fazer mais de 80 pontos no campeonato. A centralização dos direitos televisivos permite uma melhor redistribuição das receitas e isso cria maior competitividade, ao dar mais receita aos clubes mais pequenos.

Em 2017 por exemplo, o último classificado da Premier League recebeu mais de 90M€ pelos direitos televisivos enquanto o primeiro somou pouco mais de 150M€, ou seja nem chegou ao dobro do último. Na Bundesliga o Leipzig que subiu à primeira divisão recebeu perto de 23M€ enquanto o Bayern recebeu perto de 74M€. Na La Liga que é onde a disparidade ainda é grande, o último classificado recebeu 40M€ enquanto Barcelona recebeu mais de 150M€. Na Serie A, a Juventus ganhou perto de 120M€ contra 25M€ de quem recebeu menos. Em Portugal estamos a falar na ordem dos 30M€ para 3M€. É o dobro das desigualdades. E isto sem contar com as receitas televisivas provenientes das competições europeias.

Então e qual o modelo de distribuição a utilizar? Há diferentes modelos em vigor. O modelo inglês tem por base a seguinte fórmula: 50% das receitas televisivas são divididas igualmente pelos 20 clubes; 25% são repartidas dependendo da posição em que um clube termine na época anterior; 25% divididos pelo número de vezes que um jogo de uma equipa é transmitido. Será o melhor? Não sei, mas é um.


Entre os 5 campeonatos com mais receita verificamos que só a Bundesliga muda muito o modelo com algo muito específico que inclui por exemplo percentagens para ranking dos ultimos 20 anos na competição ou ranking para as equipas que mais jovens jogadores utiliza na temporada.

Na prática a conjugação destes dois factores são determinantes para que se possa considerar um bom acordo. Conseguir valores superiores para todos, tentando diminuir as distâncias entre o primeiro e o último. Para se conseguir algo parecido a este equilíbrio uma centralização dos direitos televisivos teria de conseguir subir os valores apresentados para os pequenos clubes na ordem dos 100%, ou seja, para o dobro. Só com valores na ordem dos 6/7M€ para os clubes mais pequenos se diminuiria o rácio para perto dos valores que na Espanha, por exemplo, se praticam. Ora, isso significaria que uma centralização dos direitos televisivos teria de conseguir um acordo na ordem dos 200M€ por época (isto sem aumentar os clubes grandes nas suas receitas). Será que a Liga seria capaz de aumentar em 33% aquilo que os clubes actualmente recebem no seu total? (dos 150M€ para 200M€) Significaria por exemplo que o campeonato português estaria avaliado em termos de direitos televisivos em mais do dobro do valor do campeonato holandês.

No outro dia disse a um familiar meu que os portugueses não gostavam de futebol. Fui olhado de lado, mesmo antes de me explicar. A verdade é que os portugueses gostam da azia e da intriga, mas não gostam de futebol. Em Portugal joga-se do melhor que há em termos europeus a nível de futebol. Temos jogadores em todos os campeonatos de topo. Temos treinadores de topo. Temos equipas portuguesas que nos últimos 10 anos foram a finais europeias e inclusive venceram. Tirando uma ou outra táctica menos feliz quando as equipas pequenas jogam contra os grandes, e tirando aquilo que foi e é a criminalidade dentro do desporto com os casos de corrupção, Portugal tem boas equipas de futebol e que sabem jogar futebol. No entanto tirando os 3 grandes, os estádio estão vazios. Somos adeptos de 3 clubes não somos adeptos de futebol. 

A disparidade (a fazer verdade aquilo que li na internet por alto) entre o primeiro e o último em termos de assistências no estádio é de 7:1 na Inglaterra, em Portugal é de quase 30:1. E isto deve ser num bom dia. Temos grande parte dos estádios às moscas em grande parte do campeonato. Como é que será possível à Liga vender um produto e lhe dizem "No jogo entre Belenenses e Setubal que até é um clássico não tiveram 1000 pessoas no estádio, como quer avaliar em 7M€ por época essas equipas?". Para a Liga promover o campeonato terá de promover muito bem os 3 grandes e isso não será fácil, muito menos por valores acima dos que já são praticados agora. Se os valores se mantiverem só se os 3 grandes aceitarem baixar drasticamente a sua parte é que se pode aumentar os mais pequenos. Será que os 3 grandes estão dispostos a passar de 30M€ para 25M€ por época para acomodar os mais pequenos? Se isso acontecesse acham que os benfiquistas exigentes iam aceitar menos que a cabeça do LFV, DSO e RC? De relembrar que o contrato da NOS visto aos olhos de muitos benfiquistas foi a imagem de um Benfica comido de cebolada (Mito dos Direitos Televisivos desfeito no nosso blog). A criação do G15 e a deambulação dos 3 grandes por parte dos outros clubes da Liga não trouxe propriamente amizades para cima da mesa.

Por fim há outro lado da medalha. Outra abordagem ao tema que deve ser referido. O controlo dos clubes pequenos quanto ao gastar do dinheiro. Uma equipa que ganha 2M€ pelos direitos televisivos que passaria a receber 7M€ teria de ter uma gestão minimamente criteriosa. Infelizmente em Portugal não me parece que os dirigentes tenham a capacidade de gestão necessária para não se "deixar" levar. Se já gastam demais quando recebem pouco, imaginemos se de um momento para o outro essas verbas triplicassem. Falou-se por aí em auditorias constantes, não sei se seria por aí, mas deveria haver um controlo rigoroso das contas dos clubes. Se o dinheiro é centralizado e se há uma redistribuição mais justa, então o uso do mesmo deve ser o mais criterioso possível. Equipas a usar o dinheiro de forma descontrolada e injustificada criando depois fossos entre equipas de outra forma seria inaceitável. 

Eu de um ponto de vista pessoal não tenho opinião formalizada na matéria. Acho que neste momento, e achei desde a altura dos contratos, as operadoras sobrevalorizaram e muito aquilo que os direitos televisivos em Portugal valem e isso dificulta e muito uma nova negociação. Será muito complicado, no meu entender, haver uma renegociação em alta nesta altura e o fosso que existe hoje em dia entre os grandes campeonatos e Portugal só tenderá a aumentar. O facto dos 3 grandes não terminaram os acordos vigentes no mesmo ano não ajuda e em 2026 quando o Benfica terminar o contrato actual quererá certamente aumentar a sua receita nessa área se calhar uns 15 a 20% tendo em conta o tamanho do contrato actual, será que as operadoras lhe darão esses valores? Quererá o Benfica fazer acordo mais pequeno para depois se pensar na centralização em 2029? Conseguirá a Liga valores próximos dos 200M€ por época? Provavelmente por essa altura os valores já terão de ser perto dos 250M€ para agradar a todos... Conseguirá? Equipas que detêm mais de 90% dos espectadores no país quererão receber menos de 50% do bolo total? Será justo?

Ao contrário dos já referidos experts eu não acho que este assunto seja tão óbvio ou directo que não se entenda as dificuldades inerentes a uma negociação do género. Não se pode comparar Portugal com o big-5 e os seus milhões. Não se pode comparar os adeptos de muitos países com os portugueses. Estamos muito polarizados e nunca ninguém quer ficar com a ideia de sair prejudicado. E isso acontecerá. Quem é contra? Quem é a favor? Em que moldes? Quais os valores que aceitariam? Quais os valores impossíveis de aceitar? Qual o valor global e modelo que defendem? Venha daí o debate! 



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