Ser um jovem benfiquista nos dias
que correm vem com uma pesada herança, para benfiquistas que nasceram durante
ou depois da década de 80 não há memórias de um Benfica vencedor na Europa.
Dizem-nos que não sabemos como era o Inferno da Luz das grandes noites
europeias, que não conhecemos a raça e querer das grandes equipas dos anos 60,
dos invencíveis da década de 70 ou dos grandes Presidentes que fizeram o clube
grande, nacional e internacionalmente. Na verdade, nós jovens adultos só
conhecemos o futebol da era Pinto da Costa, o futebol dos anos anos 90 em que
se viram os maiores barbarismos que há memória ou dos anos 2000 onde ficámos a
conhecer o Apito Dourado, os Pedros Proenças, Jorge Sousas e Artur Soares Dias
destas vidas.
A primeira memória que tenho
enquanto benfiquista, e não me refiro a jogos que posteriormente vi, é da
eliminatória com o Parma em 1994. Depois houve o trauma de Vigo e finalmente o
surgir da Luz ao fundo do túnel com a vitória sobre o Porto de Mourinho na
final da Taça de Portugal em 2004. Essa vitória e consequente vitória no
campeonato seguinte em 2005 foram o virar duma página negra do futebol do
Benfica que durou sensivelmente 10 anos. Os 5 anos seguintes foram duros mas
começava-se a ver algo diferente, já não eram só equipas medíocres com um ou
outro jogador de qualidade. Com a chegada de JJ o chip mudou e o Benfica
começou a lutar de igual para igual sendo que nos últimos 10 anos venceu mais
troféus nacionais que Sporting e Porto combinados.
Ser jovem benfiquista é muito mais
difícil do que ser um benfiquista experiente de décadas de vitórias. Ser jovem
benfiquista é durante duas décadas só conhecer a derrota e mesmo assim ser
benfiquista. É na prática ser como os sportinguistas são a vida toda.
Não sou nem serei daqueles que
compara gerações. Arranjar melhores de sempre é absurdo. Comparar futebol dos
anos 70 a futebol dos anos de 2010 é uma idiotice. Comparar Ronaldo a Eusébio é
uma arbitrariedade. Comparar gastos anuais de equipas de 2010 com equipas de
2020 é demagogia. No entanto, há uma coisa que se mantém idêntica: a paixão do
adepto. E a paixão do adepto é por definição irracional. Se hoje se fala dos
adeptos mansos que dizer daquelas assistências contra o Riopele, o Amora, o
Feirense ou o Ginásio de Alcobaça. Se hoje falamos em adeptos exigentes que
dizer do terceiro anel a chamar nomes a Nené ou Jordão. Não precisamos ter
visto os jogos em directo para saber de como eram as coisas. Há muitos vídeos e
relatos para dar e vender.
Essa irracionalidade de adepto
choca com algo novo no futebol mundial, que é a profissionalização da gestão de
um clube de futebol. Hoje, os clubes de futebol, ou as SAD, têm de ser geridas
como empresas e têm de ser geridas racionalmente e não irracionalmente. Os
adeptos mantém-se irracionais por definição achando que basta amar o clube para
saber o que é bom para ele. Todos são jogadores, treinadores e Presidentes.
Infelizmente, as derrotas do clube esta época, a boa situação financeira do
mesmo e o cada vez mais tóxico ambiente do futebol em Portugal, fruto das
vitórias do Benfica diga-se, fez com que uma grande parte dos adeptos do
Benfica deixassem de ser isso mesmo, adeptos.
Quarta-feira, 8 de Março de 2006,
Moretto, Anderson, Luisão, Alcides, Leo, Beto, Manuel Fernandes, Laurent Robert,
Geovanni, Nuno Gomes e Simão entram em Anfield com 5 pontos de atraso sobre o
Porto na luta pelo título, já tinham feito os 4 clássicos da época e estavam
longe de depender de si próprios para revalidarem o título que era deles.
Venceram o campeão europeu em título por 0-2 numa daquelas noites europeias que
nós jovens benfiquistas não sabemos o que são, tendo nesse mesmo ano eliminado
na fase de grupos o Manchester United. Nessa tarde/noite, o jogo acabou com os
adeptos do Liverpool a aplaudirem os jogadores do Benfica e a cantarem “You’ll
never walk alone” para a sua equipa. Campeões europeus em título eliminados nos
quartos de final pelo Moretto, Alcides, Beto e companhia e terminam o jogo
aplaudidos.
Passam-se 3153 dias. Domingo, 25
de Outubro de 2015, Estádio do Sport Lisboa e Benfica. Depois de JJ sair do
Benfica para o Sporting e da época ter começado com uma derrota na Supertaça
para esse mesmo Sporting, o Benfica chega aos 36 minutos de jogo em casa com o
eterno rival a perder 0-3. Aquilo que se viu depois disso por parte dos adeptos
fez-me lembrar essa noite 3153 dias antes, o amor incondicional ao clube, estar
com ele na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na
pobreza, amando, respeitando e sendo fiel em todos os dias das suas vida, até
que a morte os separe. Os aplausos, o apoio incondicional e a devoção ao clube
e aos profissionais que ali estavam, que terminando aquele jogo passariam a
estar a 7 pontos do Sporting foi fundamental no percurso de um tricampeonato
que fugia ao Benfica desde 1977, ou seja há 39 anos.
Os jovens benfiquistas viam
finalmente o Benfica ser tricampeão. E passado um ano viam o Benfica fazer algo
inédito na sua História. Ser tetracampeão. E tudo graças aos adeptos. Aqueles
que aplaudiram a 25 de Outubro do ano 2015.
Se hoje o Benfica não é bicampeão
é também graças aos adeptos. Não podemos querer os louros das vitórias e não
arcar com as consequências dos nossos actos nas derrotas. O Benfica hoje não é
campeão porque a 7 de Fevereiro de 2020 tendo 18 vitórias em 19 jogos para o campeonato
os profissionais do clube eram assobiados em pleno Estádio da Luz ao fim de 10
minutos de jogo. O Benfica não é campeão neste momento porque a 4 de Junho de
2020 depois de uma paragem verdadeiramente caótica e atípica e estando o
Benfica em igualdade pontual com o Porto, os profissionais do clube viram o
autocarro onde iam ser apedrejado, as suas casas vandalizadas e a suas famílias
ameaçadas. Enquanto apontamos o dedo aos Senhores do Norte devido aos métodos
utilizados para atingir os seus fins, nós fazemos o mesmo mas a nós próprios. E
no final culpamos o Vieira, o Domingos Soares de Oliveira, o Bruno Lage, o Rui
Costa, o Pizzi, o André Almeida, o Ferro ou o Nuno Tavares.
O clube não tem de fazer uma
contratação sonante, um jogo fantástico ou uma passagem de eliminatória
memorável para os adeptos o apoiarem. Os adeptos têm de ser isso mesmo,
adeptos. Na alegria e na tristeza. O Benfica estará muito mais próximo de ser
novamente campeão quando os adeptos forem aquilo que os do Liverpool foram em
2006 ou os benfiquistas foram na Luz em 2015. Enquanto não perceberem isso, podem
continuar a culpar o Manel.